sexta-feira, 23 de outubro de 2009

5 # Manual de como (não) lavar um futon


Certa vez eu resolvi lavar, pela primeira vez na vida, um futon. Tá, minto, na realidade já tinha lavado uma vez, eu deixei de molho na banheira (ou ofurô, se preferirem), e pus para secar pendurado numa barra que ficava na varanda do meu apartamento anterior. Deixar de molho é moleza, o duro foi tirar, num dia de inverno aqui no Japão, o excesso de água para pendurar. Lembro de ter perdido a sensibilidade dos dedos de tanto frio, pois estava espremendo o futon molhado do lado de fora da casa, e ficar pensando que eles iam necrosar em minutos se eu não terminasse isso logo... (sabem a música "Exagerado",do Cazuza? Foi feita pra mim!) Aprendi uma lição que coloco logo de cara aqui: NÃO lavar futon no inverno. Se sujou, faça como um bom japones: jogue fora e compre outro, afinal, vc está na terra do consumismo!

Quase 1 ano depois, dessa vez no verão, resolvi lavar novamente um futon que descobri estar com uma parte fedendo a urina de criancinha. Escolhi um dia lindo, com céu azul, bem quente! So que dessa vez estava morando provisoriamente em uma casa como room mate, então não podia ocupar o ofurô com o futon, senão o dono da casa, que já não era muito normal, ia ter um infarte! Então o que eu resolvi fazer? Levar para o banho o futon! Coloquei meu biquini e fui dar banho no futon! Foi uma das ideias mais idiotas que eu já tive... ao ficar encharcado de água o futon fica pesadíssimo.

Pus ele no ofurô, mas sem água, molhei ele com a água do chuveiro. Aqui o chuveiro é móvel, nunca vi um chuveiro fixo aqui, só nesse estilo. Esfreguei ele bastante, mas não muito porque não tenho saco pra isso, cansa demais! Daí veio a melhor parte: tirar o excesso de água do futon. Com uma peça simples de roupa basta torcer e já tá. Mas como fazer isso com um futon que, além de grande, já tá com o peso triplicado pela água?? Eu então resolvi abraçar o futon, assim conseguiria expreme-lo. Não adiantou muito e cansou demais! Depois resolvi dobrar ele em um quadrado, e sentei nele. Foi melhor que abraçar, saiu bastante água, mas ainda tinha muito. Então inspirada no povo do sul que amassa as uvas com os pés para fazer vinho, fiquei de pé no futon dobrado e fiquei "amassando uvas"! Deu um bom resultado, mas ainda tinha muita água, não ia secar nunca desse jeito. E assim foi por horas, abraça, senta, pisa, pula em cima do futon. Esse foi basicamente todo o processo até eu ficar detonada de tanto cansaço, nem um dia de academia deve dar tanto resultado! Até que cansei de vez, joguei a toalha e resolvi pendurar assim mesmo. Mas aí vinha outro problema: pendurar. Eu pendurava minhas roupas na varanda do quarto ao lado do meu, porque eu não tinha varanda. Só que o quarto estava ocupado por uma nova room mate, então tinha que ter um certo cuidado, não podia estar com tanta água pingando. Fiz o possível mas não consegui evitar de ainda estar muito molhado. Só que eu, como sempre precavida, tratei de lavar o futon quando não havia ninguém em casa, para que ninguém visse se desse algo errado! Também tinha outro motivo: certa vez, quando contei para uma amiga japonesa que tinha lavado o tal futon no inverno, ela disse espantada "voce lavou o futon?? Mas ninguém lava o futon!" Dai foi minha vez de ficar espantada! "Como assim, não lava? ? E como vocês fazem para limpar o futon??" perguntei. "Bate e deixa no sol." Isso sim pra mim não faz sentido, bater e deixar no sol não tira cheiro de xixi, nem mancha, nem limpa!! Bem, se todo japa faz isso ou não eu não sei, mas para que eles tambem não se espantassem achei melhor lavar em um momento que todos estivessem fora.

Carreguei o futon numa mega-sacola de plástico duro, dessas tipicas de sacoleiro do paraguai, e levei até a varanda. pendurei na grade da varanda, metade pingando horrores na rua, metade na varanda da garota... Espremi mais e mais e deixei lá. Ela tinha me dado carta branca para usar a varanda, então não esquentei quanto a isso. Tava um dia de sol, esperava que secasse até anoitecer. Porém... se você achava que tempo louco é privilégio só da sua cidade, lamento lhe informar que é um fenômeno mundial!Eu sempre disse (e ouvi!) que o tempo no Rio tá maluco, faz sol no inverno, chove no verão, etc. Certa vez fui a São paulo e achei pior lá, todas as estações do ano conseguiram passar em um único dia! De manhã sol de matar, veio meio-dia e nublou, e de tarde choveu e ficou frio! E no dia seguinte foi igual! Mas até aí normal, afinal achar São paulo pior que o Rio em qualquer assunto é de praxe, hauhauhaua (zoera!XD) E aqui no Japão, apesar das estações serem bem definidas, o que mata com as minhas esperanças de um dia quente no inverno (no Rio você ainda pode sonhar com isso, aqui não!), o tempo tambem dá umas piradas. Efeito estufa, aquecimento global, só pode ser isso. E nesse dia de céu azul e tempo quente, que eu escolhi para lavar meu futon, veio a noite e com ela a chuva! Chuva não, toró!! Quando ouvi o barulho corri pro quarto da garota, que me ajudou a tirar o bicho da varanda. Tava úmido ainda, e com uma camada extra de água - da chuva! Ela deu a idéia de colocar uns plásticos por cima da cama do quarto ao lado, o que tava desocupado, e colocarmos lá o futon. Fiquei meio assim de colocar lá e o cara reclamar de eu usar o quarto que não era meu, mas não tinha jeito, ele não tava em casa e ia dormir fora, não tinha como consultá-lo, então deixei o futon lá. Qualquer coisa ela era minha cúmplice, mentora do crime! No dia seguinte, ao chegar de bicicleta na entrada da casa, vi lá da rua o tal quarto desocupado com a luz acesa e achei estranho. Saquei que só podia ser recado para mim. Tem um tipo de japones (evitarei generalizar, pois há pessoas e pessoas) que não falam o que querem. Seja reclamação, seja um pedido. Eles esperam que você perceba por conta própria o que é óbvio para eles. Em outras palavras, são irritantes!! E esse cara era assim. Ao invés de me indagar do futon, para reclamar ou me dar uma chance de me explicar, simplesmente deixou a luz daquele quarto acesa. O que ele realmente queria dizer eu não sei, não sou japonesa então não capto muito bem as mensagens subliminares que eles adoram. Mas vi que era um meio de me chamar a atenção, de dizer que ele viu o futon lá. Eu então subi para meu quarto sem falar com ele (aproveitando que ele estava na cozinha de porta fechada), peguei o futon e coloquei nas tais sacolas plásticas que forramos a cama para colocá-lo em cima, e levei-o para o meu quarto. Ele já tava meio fedorento, como é de se esperar de algo que não tenha secado direito. Eu então o coloquei dentro do closet e fechei a porta. O ideal era colocar na varanda, mas infelizmente chovia nesse dia também, então foi para o closet mesmo. Nem comentei sobre o futon com o cara, fiz o jogo dele, se ele não fala eu também não falo, fiquei na minha.

Ainda cheguei a aturar o futon alguns dias no closet, que mais parecia um mini-quartinho anexo ao meu quarto. Deixava a porta sempre fechada, pois cada vez mais o treco ficava mais e mais fedorento, parecia que eu tinha escondido um cadáver no meu armário!! Evitava de abrir a porta, mas mesmo de porta fechada o perfume-de-defunto começou a invadir o meu quarto também. Não tinha jeito, com aquele fedor ele teria que ser lavado novamente! E durante a semana não tinha como lavá-lo, pois saía cedo para o trabalho e voltava só de noite. O jeito era esperar o final-de-semana. Mas daí comecei a pensar em todo o trabalho que tive de lavar o futon, e do mesmo trabalho que teria em lavá-lo uma segunda vez, e me desesperei! "Não, ninguém merece!!" pensei logo, e assim nem foi difícil decidir o que fazer com o futon. Lembram da primeira lição do manual, a que eu escrevi lá em cima? Foi ai que eu realizei essa lição! XD

Em uma certa manhã, me aproveitando do fato de o dono da casa sair antes de mim e das outras duas garotas estarem dormindo no horário em que eu saia, peguei o futon-cadáver, como o havia apelidado, e o despejei na garagem do cara, em cima de outros futons velhos que ali jaziam. Claro que qualquer um pode pensar "mas por que não jogar fora no lixo??" Eu explico. Aqui no Japão tem dia certo para jogar o lixo. Tem dia de garrafas pet, de vidro e latas, dia do plástico, dia de lixo de cozinha (incinerável), etc. Coisas grandes como objetos também tem dia certo, e dependendo do que for, de tamanho e/ou tipo, antes de jogar fora precisamos pagar uma taxa, colar um adesivo que indica que voce pagou aquela taxa com valor referente ao tipo de coisa que você tá jogando fora, e jogar fora no dia certo. Sem isso eles não recolhem. Quando me mudei para essa casa tive que me desfazer de algumas coisas grandes, e coisas muito grandes não são jogadas no lixo, vem alguém buscar em nossas casas. Fiquei p**** da vida que me cobraram 15000 ienes, como uns 150 dólares para recolher uns móveis!!! Me contorci de raiva só em pensar nas coisas que eu poderia fazer ou comprar com esse dinheiro, ao invés de gastar para me desfazer de coisas velhas! Fala sério!!

Entao nesse dia resolvi deixar lá na garagem do cara mesmo, pois não estava disposta a pagar mais uma grana para jogar aquele estorvo no lixo! O cara, como disse antes, não era muito normal não. Na garagem ele tinha uma van abandonada (pois nem placa tinha), duas motos velhas também com cara de paradas, no canto uns entulhos empoeirados e uma bicicleta enferrujada, e em cima dela uma pilha de futons e almofadas velhas. E o carro decente que ele usava de vez em nunca, esse ele deixava na porta da garagem, já na rua, pegando chuva! Dá para entender uma cabeça dessas?? Então nem pestanejei, disse pro futon-cadáver "ah é aqui mesmo que você vai ficar! Junto com seus outros amigos!" . E se o dono reparasse e reclamasse algo, eu já sabia até o que dizer: "ah, coloquei aqui provisoriamente, só até o dia certo de jogar fora! Você não ia querer que ele ficasse fedendo lá na SUA casa, né?" ^^!


Bem, se o dia certo de jogar fora chegou ou não eu não sei, saí de lá antes disso! XD E como o cara era mó mala mesmo, achei que ele merecia esse presente! `As vezes imagino ele encontrando o futon-cadáver, sentindo o odor agradabilíssimo de algo já podre e dentro de um saco plástico, e folgo em saber que, assim como o futon que não foi para o lixo, todo o esforço de lavar o futon também não foi, pois me rendeu uma travessura com alguém mala e um post que eu espero que vocês tenham apreciado! ^_^ p.s: A foto que ilustra o blog é real, do futon-cadáver já desovado na garagem